A novela em torno do futuro da Warner Bros. Discovery deixou de ser só “mais uma fusão” e virou guerra aberta entre gigantes.
De um lado, a Netflix, que já anunciou um acordo de US$ 72 bilhões em ações e dinheiro (valor de empresa de US$ 82,7 bilhões) para comprar os estúdios e a operação de streaming da Warner Bros. Discovery.
Do outro, a recém-criada Paramount Skydance, que acabou de lançar uma oferta hostil de US$ 108,4 bilhões em dinheiro para levar a Warner inteira, incluindo canais lineares como CNN, TNT e TBS – e, de quebra, atropelar o acordo com a Netflix.
Abaixo, um panorama organizado — e em contraponto — entre os dois movimentos.
1. De onde vem a Paramount Skydance?
Antes de mirar na Warner, a casa já precisava estar arrumada.
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Em agosto de 2025, Paramount Global e Skydance Media concluíram a fusão, criando a Paramount Skydance Corporation (ticker PSKY), liderada por David Ellison.
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O objetivo declarado: usar dinheiro novo (Ellison Family, RedBird Capital) e disciplina de gestão para salvar um grupo tradicional que sofria com queda em TV linear e pressão do streaming.
Poucos meses depois, esse “novo” conglomerado já parte para um ataque frontal contra a Warner, aproveitando a fragilidade financeira do setor e a movimentação prévia da Netflix.
2. O acordo Netflix–Warner: o plano “streaming first”
Em 5 de dezembro, Netflix e Warner Bros. Discovery anunciaram um acordo definitivo: a Netflix compraria a Warner Bros. (estúdios de cinema e TV, HBO, HBO Max) após a separação da divisão Discovery Global (canais lineares).
Termos principais do deal Netflix–Warner:
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Preço: US$ 27,75 por ação da WBD.
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Equity value: ~US$ 72 bilhões;
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Enterprise value (incluindo dívida): ~US$ 82,7 bilhões.
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Estrutura: pagamento em dinheiro + ações da Netflix;
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Escopo:
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Inclui estúdios da Warner, HBO, HBO Max e catálogo (Harry Potter, DC, Game of Thrones etc.);
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Fica de fora a maior parte dos canais de TV por assinatura (CNN, TBS, TNT etc.), que seriam separados em uma nova empresa (Discovery Global).
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A narrativa da Netflix é clara:
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Fortalecer o streaming: unir o maior serviço SVOD do mundo com um dos catálogos mais fortes de Hollywood;
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Promessa oficial: manter operações da Warner, com continuidade de lançamentos nos cinemas, e ampliar investimentos em produção e empregos na indústria.
Mas logo surgiram dois grandes problemas:
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Antitruste: Reguladores já avisam que vão olhar com lupa o poder de mercado de uma Netflix + HBO Max no streaming.
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Ação coletiva de consumidores: um assinante de HBO Max entrou com um processo federal tentando bloquear o negócio, alegando diminuir competição e elevar preços, já que franquias como Harry Potter, DC e Game of Thrones passariam para controle da Netflix.
Ou seja: o acordo existe, mas está longe de ser líquido e certo.
3. A investida da Paramount Skydance: oferta hostil e “tudo em dinheiro”
Enquanto a Netflix comemorava o anúncio, a Paramount Skydance veio por fora e entrou em modo ataque.
Como é a oferta da Paramount Skydance?
Segundo comunicados oficiais e reportagens financeiras, a proposta é:
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Tipo de oferta:
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Tender offer hostil – vai direto aos acionistas da WBD, contornando a diretoria, após meses de conversas frustradas com David Zaslav.
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Preço: US$ 30 por ação da WBD (acima dos US$ 27,75 da Netflix).
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Valor total: cerca de US$ 108,4 bilhões em dinheiro, com equity e dívida combinados.
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Escopo: compra a empresa toda, incluindo:
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Estúdios, HBO, HBO Max;
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Canais de TV e redes de notícias (CNN, TNT, TBS, entre outros), que ficariam de fora no deal com a Netflix.
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Quem banca esse cheque?
A Paramount Skydance diz ter:
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Equity apoiado pela família Ellison e pela RedBird Capital;
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Financiamento de dívida comprometido por grandes bancos como Bank of America, Citi e Apollo;
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Capital dos fundos soberanos do Golfo (Arábia Saudita, Emirados Árabes e Qatar) e do fundo Affinity Partners (de Jared Kushner), em estrutura pensada para minimizar escrutínio regulatório de investimento estrangeiro nos EUA.
Na carta pública, David Ellison bate forte na direção da WBD, dizendo que os acionistas não tiveram acesso ao “melhor negócio” e defendendo sua proposta como:
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de maior valor (mais dinheiro por ação),
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mais simples (tudo em cash, sem risco de oscilação de ações),
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com caminho mais rápido para fechamento – em tese, com menos riscos antitruste do que uma “mega Netflix” dominando o streaming.
4. Netflix x Paramount Skydance: qual é a diferença de visão?
Dá para resumir assim:
Visão Netflix: reforçar o “super app” do streaming
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Objetivo: virar a plataforma definitiva de assinatura, concentrando ainda mais catálogo premium num só lugar.
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Vantagem para a empresa: escala global + IPs fortes = poder de barganha maior com talentos, distribuidores e… consumidores.
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Risco principal:
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Antitruste pesado – reguladores, políticos e agora consumidores questionam se é saudável deixar Netflix + HBO Max sob o mesmo guarda-chuva.
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Visão Paramount Skydance: mega conglomerado “tudo em um”
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Objetivo: criar um super estúdio integrado, com cinema, streaming e TV linear sob o mesmo grupo (Paramount + Warner + redes de TV).
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Sinergias esperadas:
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Combinar portfólio de canais (CBS, CNN, TNT, Nickelodeon etc.) com estúdios e plataformas digitais;
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Ganhar escala para brigar com Disney, Netflix, Amazon e Apple.
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Risco principal:
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Outro tipo de antitruste: concentração enorme de poder em TV aberta, cabo, esportes e notícias, além do streaming. A senadora Elizabeth Warren já classificou a fusão como um “incêndio de cinco alarmes” em matéria antimonopólio, citando ainda os laços políticos dos investidores envolvidos.
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5. E no meio disso tudo, onde entra a CNN?
Um ponto simbólico dessa guerra é a CNN:
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No acordo com a Netflix, a CNN ficaria em uma empresa separada (Discovery Global), ainda tentando resolver seus próprios problemas de audiência e modelo de negócios.
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Já na oferta da Paramount Skydance, a CNN seria comprada junto com o resto da WBD — abrindo espaço para integração com a CBS News e redes de TV do grupo Paramount.
Isso levanta perguntas pesadas:
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Quem controlaria um conglomerado de notícias com CNN + CBS sob o mesmo teto?
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Como ficaria o equilíbrio editorial, num cenário de investidores com agendas políticas claras?
6. Cenários possíveis (por enquanto)
Nada está decidido. Alguns cenários em jogo:
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Netflix fecha o negócio, Paramount recua
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Reguladores aprovam (talvez com remédios, como venda de partes do negócio);
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Warner se torna braço de estúdios da Netflix;
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Canais lineares seguem vida própria em outra empresa, possivelmente mais frágil.
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Paramount Skydance convence os acionistas, derruba o acordo com a Netflix
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Acionistas da WBD decidem que US$ 30 em dinheiro agora é melhor que US$ 27,75 em cash+ação com risco antitruste;
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WBD passa a integrar o conglomerado Paramount Skydance, redesenhando de vez o mapa de Hollywood.
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Os dois negócios empacam
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Reguladores, ações judiciais e pressão política travam tanto o plano da Netflix quanto a investida da Paramount;
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Warner continua um ativo em disputa, com eventual terceiro player ou reestruturação interna.
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Hoje, o que temos de concreto é: acordo assinado com a Netflix e oferta hostil aberta da Paramount Skydance disputando os mesmos ativos.
7. O que isso significa para quem assiste
Para o público comum, a disputa parece distante, mas afeta diretamente:
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Onde veremos as grandes franquias
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Se a Netflix vencer, títulos como Harry Potter, DC, Game of Thrones, Friends e tantos outros podem migrar de vez para um ecossistema dominado pela plataforma — com impacto em janelas, cinemas e outros serviços.
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Se a Paramount Skydance ganhar, o cenário pode ser mais fragmentado: canais tradicionais mais fortes, Paramount+ reforçado, possíveis reempacotamentos regionais.
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Preço dos serviços de streaming
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Menos concorrentes relevantes tendem a significar mais poder de precificação para os sobreviventes, seja Netflix, seja um mega-conglomerado Paramount+Warner. Reguladores e consumidores já estão levantando exatamente esse alerta.
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Diversidade de conteúdo e vozes
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Grandes fusões podem concentrar decisão editorial em poucas mesas — impactando que histórias são contadas, que criadores têm espaço e que narrativas dominam o debate público.
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8. Em resumo
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Netflix saiu na frente com um acordo formal, focado em streaming e estúdios, vendendo a ideia de “mais conteúdo para mais pessoas em uma só assinatura”.
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Paramount Skydance respondeu com uma oferta hostil maior, toda em dinheiro e abrangendo a empresa inteira, apostando que os acionistas preferem mais valor e menos risco regulatório específico de streaming.
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No meio, reguladores, políticos, fundos soberanos e consumidores transformaram a batalha pelo futuro da Warner em um plebiscito sobre concentração de poder na mídia global.


