Num mundo em que a internet dita tendências, valida comportamentos e molda percepções, nasceu um fenómeno que cresce silenciosamente: vidas de sucesso forjadas. Não estamos a falar apenas de filtros, boas fotos ou dias realmente bons. Estamos a falar de vidas inteiras montadas como produtos de consumo, cuidadosamente elaboradas para impressionar, influenciar e gerar engajamento — mesmo que não tenham qualquer ligação com a realidade.
Hoje, mais do que nunca, muitos influenciadores transformaram o dia a dia num palco onde tudo é espetáculo: a casa perfeita, o corpo impecável, as viagens de luxo, a rotina produtiva e até relacionamentos que parecem retirados de um filme. Só que há um detalhe fundamental: boa parte disso não existe fora da tela.
E, com a evolução da inteligência artificial, essa ficção tornou-se ainda mais fácil de fabricar.
A performance constante: quando a vida real se torna insuficiente
As redes sociais criaram um ambiente onde “ser” já não basta — é preciso parecer.
Parecer feliz. Parecer bem-sucedido. Parecer sempre ocupado, sempre produtivo, sempre glamoroso.
O problema é que, para manter essa imagem impecável, muitos passaram a viver em função da própria audiência. Cada reunião vira conteúdo, cada refeição vira produto, cada viagem vira sessão de fotos. O que deveria ser vivido passa a ser apenas registado.
E quando a vida real não oferece material suficiente para essa narrativa?
Simples: cria-se uma vida nova.
A era das vidas inventadas — agora com IA
Antes, os limites eram o tempo, o dinheiro e a criatividade.
Hoje, com a inteligência artificial, os limites desapareceram.
A IA permite:
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gerar fotos em destinos onde a pessoa nunca esteve
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criar versões perfeitas do próprio influenciador, sem rugas, sem falhas
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inventar cenários luxuosos, mansões, carros e viagens
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simular rotinas e corpos ideais
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produzir vídeos credíveis com ambientes fabricados
Ou seja: a vida perfeita nunca foi tão fácil de fingir.
E, no feed, tudo parece absolutamente real.
O perigo?
As pessoas passam a comparar a sua vida real — complexa, imperfeita, humana — com uma ficção polida por algoritmos.
Se preferir, algo sem IA... A ficção que virou negócio
Esse teatro digital não é apenas um hábito — tornou-se um mercado lucrativo.
Estúdios especializados oferecem pacotes completos para quem quer ter a vida perfeita nas redes, mesmo sem ter.
Em Portugal, por exemplo, o BigStyle Studio é um dos sinais claros deste movimento. São serviços de produção, cenários, imagem e lifestyle construído sob medida para a internet. Não é apenas fotografia: é criação de persona digital, é reforço estético, é a promessa da vida que muitos gostariam de ter.
Se existe procura, existe oferta. E se existe oferta, é porque a vida real deixou de satisfazer.
A profissionalização dessa “vida perfeita” não é exclusiva de Portugal com estúdios como o BigStyle. No Brasil, o fenómeno tomou proporções ainda maiores. Uma rede crescente de "estúdios instagramáveis" e espaços totalmente preparados para criadores de conteúdo mostra que a construção de cenários artificiais já se tornou um negócio sólido. Basta uma busca no google e aparecerão dezenas de opções tanto no Brasil quanto no mundo.
O peso psicológico de sustentar uma vida que não é sua
Viver de aparências exige esforço — e tem consequências.
Quem tenta manter uma narrativa perfeita online arrisca-se a:
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perder a própria identidade
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sentir que a vida real é sempre insuficiente
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comparar-se constantemente com versões irreais dos outros e de si mesmo
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viver num ciclo de ansiedade e validação
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afastar-se de relações verdadeiras
Quando a persona que vive nas redes passa a ser mais importante do que a pessoa real, instala-se uma confusão perigosa: já não se sabe onde acaba a performance e começa a vida.
Enquanto isso… os momentos reais passam despercebidos
A maior tragédia desse fenómeno é invisível:
os momentos que deixamos de viver, porque estávamos demasiado ocupados a tentar registá-los.
Há quem:
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perca um jantar inteiro à procura do ângulo perfeito
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deixe de aproveitar uma viagem só para produzir conteúdo
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transforme amigos e família em figurantes involuntários
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prefira mostrar felicidade do que senti-la
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troque memórias por métricas de engajamento
E tudo isto só se agrava quando a IA entra em cena, oferecendo atalhos para fabricar experiências que nunca existiram — ao ponto de muitas pessoas passarem a achar que a vida real é, simplesmente, “sem graça”.
Mas a verdade é justamente o contrário: a vida real é rica, profunda e insubstituível.
Vale a pena trocar verdade por aparência?
No fim de tudo, fica a pergunta essencial:
Que valor tem uma vida perfeita… se ela não é sua?
A felicidade verdadeira não nasce de likes, seguidores ou cenários montados.
Nasce das conversas sinceras, das falhas que nos fazem crescer, das pessoas com quem nos conectamos de verdade e das memórias que vivemos — não das que inventamos ou editamos.
Mas há ainda um outro lado muitas vezes ignorado: o impacto sobre quem deseja ter esse estilo de vida fabricado.
Quem consome essas narrativas — muitas vezes sem saber que são encenadas — pode acabar a acreditar que está sempre atrás, sempre aquém, sempre insuficiente.
Isso gera problemas que vão desde:
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ansiedade por não atingir padrões impossíveis,
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sentimento constante de inadequação,
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comparação injusta com vidas que simplesmente não existem,
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frustração por não “evoluir” no mesmo ritmo dos outros,
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sensação de fracasso por não conseguir ter aquilo que, no fundo, nem os próprios influenciadores têm.
É uma corrida que ninguém vence, porque o prémio é irreal.
As redes sociais são ferramentas poderosas, inspiradoras até — mas não podem ser o critério de valor da nossa própria existência.
No fim das contas, vidas de sucesso forjadas podem impressionar…
mas é a vida verdadeira, com toda a sua imperfeição, que realmente tem valor.
A única vida que merece ser vivida — e mostrada — é a sua.


